1. Introdução
Antes de mais nada é preciso entender o que é o FATD (formulário de apuração de transgressão disciplinar).
O FATD é o instrumento pelo qual a administração pública militar exerce o poder disciplinar sobre os militares que, em tese, cometeram alguma transgressão disciplinar disposta no rol taxativo presente no anexo IV do RDE, que pode ser conferido aqui.
O FATD além de instrumento constitui processo administrativo investigatório, com condão de apurar se o acusado de fato cometeu aquela transgressão e garantir a ele o contraditório e ampla defesa.
Mas o que se entende como contraditório e ampla defesa em matéria de FATD?
Quando falamos sobre o direito à ampla defesa, nos referimos ao direito do militar de produzir provas, arrolar testemunhas e todas as medidas lícitas que possam colaborar para a efetiva defesa do militar, incluindo a nomeação de um advogado para o assistir durante todo o curso do processo administrativo apuratório.
O direito à ampla defesa está assegurado pela constituição federal de 1988, no seu artigo art. 5º, LV onde diz: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Dessa forma qualquer tipo de barreira ou restrição a defesa do militar poderá ocasionar a nulidade do processo administrativo.
Quando nos reportamos ao direito do contraditório significa que o militar acusado pode contrapor todas as acusações que a ele são imputadas através de argumentos de fato e de fundamentos jurídicos, assim como interpor recursos caso se sinta injustiçado, mas esse ponto iremos abordar com profundidade no item 05 deste post.
Resumo prático: O FATD é uma espécie de processo administrativo e por conta disso o militar tem o direito de se defender com todas as provas lícitas que o direito admite, dentro do prazo legal.
Caso a defesa seja inviabilizada pela administração esse FATD é nulo, pois violou o direito ao contraditório e ampla defesa.
2. Quem pode aplicar a punição disciplinar?
Quando eu falo sobre quem pode ou não instaurar um FATD estou falando sobre competência.
O RDE traz um rol taxativo de autoridades que podem instaurar o FATD, ou seja, somente aquelas autoridades são legítimas para isso, antes de uma análise prática vamos observar o que diz o regulamento disciplinar do Exército.
Art. 10. A competência para aplicar as punições disciplinares é definida pelo cargo e não pelo grau hierárquico, sendo competente para aplicá-las:
I – o Comandante do Exército, a todos aqueles que estiverem sujeitos a este Regulamento; e
II – aos que estiverem subordinados às seguintes autoridades ou servirem sob seus comandos, chefia ou direção:
a) Chefe do Estado-Maior do Exército, dos órgãos de direção setorial e de assessoramento, comandantes militares de área e demais ocupantes de cargos privativos de oficial-general;
b) chefes de estado-maior, chefes de gabinete, comandantes de unidade, demais comandantes cujos cargos sejam privativos de oficiais superiores e comandantes das demais Organizações Militares – OM com autonomia administrativa;
c) subchefes de estado-maior, comandantes de unidade incorporada, chefes de divisão, seção, escalão regional, serviço e assessoria; ajudantes-gerais, subcomandantes e subdiretores; e
d) comandantes das demais subunidades ou de elementos destacados com efetivo menor que subunidade.
Na grande maioria das vezes o processo administrativo se torna um fardo e no fim o militar só quer se livrar dele, e eu entendo, mas é necessário se atentar sobre qual é a autoridade que está analisando a sua defesa e se ela é competente nos termos da lei para isso.
Caso não seja estaremos diante de mais uma causa de nulidade do processo administrativo e pode até parecer que não acontece, mas não são raras as vezes que a administração pública comete erros.
Ficou na dúvida? Procure a orientação do seu advogado.
3. Fique de olho na parte que motivou a instauração do FATD.
A parte que comunicou o fato que, em tese, configura a transgressão militar que provocou a instauração do FATD é importantíssima, possui requisitos no regulamento e configura elemento importante para a defesa.
Veremos então o que diz o Art. 12 do Regulamento Disciplinar do Exército:
Art. 12. Todo militar que tiver conhecimento de fato contrário à disciplina, deverá participá-lo ao seu chefe imediato, por escrito.
1o A parte deve ser clara, precisa e concisa; qualificar os envolvidos e as testemunhas; discriminar bens e valores; precisar local, data e hora da ocorrência e caracterizar as circunstâncias que envolverem o fato, sem tecer comentários ou emitir opiniões pessoais. (grifo nosso)
De acordo com a lei a parte deve conter todas as informações pormenorizadas sobre o fato ocorrido e caracterizar a ocorrência com detalhes.
Dica Prática: Não é raro que a Administração Pública Militar expeça a parte de modo genérica com poucos detalhes e com informações gerais.
Essa prática é uma ofensa direta ao direito do contraditório e ampla defesa, pois sem todos os detalhes de acusação o militar fica prejudicado para constituir sua defesa, gerando descumprimento de preceito legal, que por sua vez gera ilegalidade que irá culminar com nulidade da parte acusatória, que constitui o inicio do processo administrativo sendo ele também nulo.
4. Quando prescreve o direito da Administração Pública Militar de punir?
O Regulamento Disciplinar do Exército não traz prazo prescricional das transgressões disciplinares, o que em um primeiro momento nos faz pensar que as transgressões são imprescritíveis e o militar pode ser punido a qualquer momento.
Ora se a punição disciplinar tem a função de resguardar a hierarquia, disciplina e cumprir o seu efeito educativo na tropa e no militar transgressor nos parece irrazoável um militar ser punido após dez anos de transgredir disciplinarmente.
Perante a ausência de prazo prescricional no RDE nos socorremos aos prazos do processo administrativo geral, o qual o processo disciplinar é espécie e nesse caso o prazo prescricional da administração para iniciar o processo administrativo disciplinar é de 05 anos a contar do cometimento da falta.
Dica Prática: Cabe destacar que a prescrição a qual acabamos de comentar é para que a administração militar inicie o processo administrativo disciplinar, após iniciado o prazo a ser aplicado é o de 08 (oito) dias para a aplicação da sanção, salvo prorrogação fundamentada e publicada em Boletim, conforme veremos abaixo.
Art. 12 do Regulamento Disciplinar do Exército,
6o A autoridade, a quem a parte disciplinar é dirigida, deve dar a solução no prazo máximo de oito dias úteis, devendo, obrigatoriamente, ouvir as pessoas envolvidas, obedecidas as demais prescrições regulamentares.
Preste atenção militar: Atente-se sempre aos prazos e datas de publicações em Boletim Interno da sua Unidade, pois eles são fontes de provas robustas e comprovam os prazos de instauração do processo e podem te ajudar a escapar de uma ilegalidade cometida pela administração militar.
5. Como a razoabilidade e a proporcionalidade podem te ajudar a justifica o seu FATD?
Dois dos princípios mais importantes que norteiam o direito administrativo disciplinar militar é o da proporcionalidade e razoabilidade. Explico:
Razoabilidade
Está ligado diretamente a materialidade da transgressão e devemos nos perguntar:
Existem elementos justificantes do ato do militar?
O prazo prescricional está sendo respeitado?
A Punição cumprirá o seu objetivo educativo perante o militar?
Existem provas contundentes que o militar cometeu a transgressão?
Se para alguma dessas perguntas a resposta foi não, significa que a punição pode não ser razoável para o militar e nesse sentido há uma grande chance de estar sendo cometida alguma ilegalidade.
Proporcionalidade
Quando falamos sobre proporcionalidade falamos também sobre progressão.
A punição deve respeitar uma progressão, ou seja, um militar que nunca foi punido, possui um comportamento exemplar e não cometeu a transgressão em serviço deve receber uma punição leve e caso venha a rescindir essa punição vai ser graduada de acordo com a necessidade.
Então a punição deve ser aplicada levando em consideração o histórico do militar e a sua vida pregressa na instituição, mas na prática vemos a punição sendo utilizada verdadeiramente como objeto de perseguição ou de desafeto entre o superior e o seu subordinado.
Dica prática: Fiquem atentos aos Boletins Internos das suas Unidades, pois militares que cometem as mesmas transgressões e em situações exatamente iguais devem receber a mesma punição.
Ex: Dois militares foram observados conversando e desatentos durante o quarto de hora, são da mesma turma, possuem a mesma classificação de comportamento e receberam punições diferentes.
Nesse caso ilustrativo temos a manifestação de claro desrespeito à proporcionalidade da aplicação das transgressões disciplinares, pois dois militares em situações idênticas são tratados de forma diferentes.
6. Foi punido? Entenda como recorrer do seu FATD.
Ao militar que foi punido há duas possibilidades: Recorrer administrativamente de acordo com os recursos previstos no RDE ou ingressar com uma ação judicial. Vamos a cada um deles.
Recursos Administrativos
Dentro do regulamento disciplinar há a previsão de duas espécies de recursos:
Reconsideração de ato
Esse recurso está previsto no art. 52 do RDE e é direcionado a autoridade que decidiu pela aplicação da punição disciplinar, deve ser interposto no prazo de cinco dias a contar da publicação do Boletim Interno que publicou a punição do militar prejudicado.
Devendo o militar prejudicado juntar ao recursos provas e elementos que comprovem o que está alegando.
Em contrapartida, a autoridade militar deverá se manifestar sobre o recurso no prazo de dez dias da interposição do recurso.
Recurso Disciplinar
O Recurso Disciplinar é a possibilidade do militar de ter a sua situação analisada por uma autoridade superior a quem o puniu.
Esse recurso está previsto no § 1o do Art. 54 do RDE, com o prazo de cinco dias da data da publicação da decisão que puniu o militar.
Cabe destacar ao militar que esses recursos não possuem efeito suspensivo, então o militar cumpre a punição enquanto o recurso é julgado.
Recurso Judicial
Primeiramente cabe destacar que não existe pré-requisito para o se ajuizar ação recursal. Não é incomum que alguns comandos militares entendam que para se ajuizar um recurso judicial é necessário esgotar as vias administrativas.
Esse entendimento está superado pela Constituição Federal de 1988. O que o militar deve entender é que o juiz não poderá modificar a decisão da autoridade militar no que tange a punição disciplinar, salvo quando estiver presente alguma ilegalidade.
Havendo ilegalidade há nulidade e portanto o magistrado poderá anular o processo administrativo militar, assim como seus efeitos.