Sexta feira de manhã. Sol a pino lá fora, começa a preparação para o fim de semana e com ele momentos de descanso e felicidade com família.
Eis que chega a notícia você acabou de receber um fatd (formulário de apuração de transgressão disciplinar) com o prazo de 48 horas para elaborar um defesa, agora sua consciência só se encontra nas possibilidades do que vão fazer com você, chega a dar um gosto amargo na boca e assim os seus planos para o descanso se transformam em preocupação.
Hoje eu quero falar com você, militar que está com um FATD batendo à porta.
Talvez ele já tenha entrado. Talvez já esteja sentado à sua frente, espalhando papéis e acusações sobre a sua mesa. Talvez você esteja tentando entender por onde começa uma defesa. Pois bem, me permita ser direto: existem coisas que uma defesa no FATD não pode deixar de ter.
E eu não estou falando isso como quem repete fórmulas. Estou falando como quem já viu o estrago que uma defesa mal feita pode causar.
Então, vamos por partes.
1. Conte a história como ela realmente aconteceu
Imagine que você está prestes a ser julgado.
Só que quem vai decidir sua vida leu apenas pedaços soltos do que aconteceu. Leu o que interessa à acusação, o que coube nos autos, o que foi dito sem contexto. Sabe o que você precisa fazer? Contar a sua história.
Mas, veja bem, contar não é transcrever o processo. É narrar os fatos com começo, meio e fim.
É mostrar o que aconteceu, quando aconteceu, quem estava lá.
É destacar as provas que jogam a seu favor. É mostrar as falhas do que está escrito no seu fatd. É olhar para o processo com a lente da verdade e da justiça. E, se houver alguma irregularidade, meu amigo, essa é a hora de bater na mesa.
2. Responda a tudo. Eu disse: tudo.
Vou te contar um segredo que não é tão segredo assim e provavelmente os seus pais te falaram várias vezes: quem cala consente.
Se você não rebate uma acusação, ela pode se tornar verdade no papel — e no papel a verdade pesa.
Depois, lá na Justiça, o juiz não vai discutir o mérito, pois você já teve a chance e a desperdiçou.
Vai olhar se o processo foi legal. E o que é legal? É ter tido a chance de se defender.
Então, defenda-se. Pegue cada acusação e responda. Com fatos, com lógica, com base jurídica.
Mostre que a pena proposta é desproporcional. Lembre-se do princípio da razoabilidade. Ele não é poesia jurídica. Ele é um escudo.
O próprio regulamento disciplinar traz várias possibilidade de defesa que você pode usar.
Nunca acredite que quem vai te julgar, vai julgar com a mão leve. Ele irá se basear apenas no que está no papel e você, assim como eu, sabe que o papel é frio e a punição virá pesada.
Certa vez, li no Carvalho Filho que “a razoabilidade exige congruência entre fatos e decisões”. Grifei. Hoje, repito.
3. Traga o direito para a sua mesa
Você já viu um jogo virar porque alguém dominava todas as regras?
Pois é. O direito militar faz isso. Ela diz: “você pode até me punir, mas terá que respeitar o que diz o regulamento”.
E, quando você apresenta uma defesa bem fundamentada você demonstra para o seu julgador que ele pode até te punir, mas ele vai ter que estar muito bem amparado na lei. Neste casos, a autoridade julgadora precisará justificar se quiser te punir com mais rigor.
Aliás, se ignorarem a sua argumentação, comete erro grosseiro. E, segundo o artigo 28 da LINDB, erro grosseiro pode ser responsabilizado.
Se tiver dificuldade para elaborar a sua defesa procure sempre um advogado especializado em causas militares. Não é um luxo, e sim a necessidade de garantir a justiça.
4. E se tudo der errado, peça o mínimo
Sim, o objetivo é a absolvição. Mas, se não der, que não venha a prisão.
A advertência, a repreensão… são ruins? São.
Mas são reversíveis. São temporárias. O licenciamento a bem da disciplina ou a prisão, meu caro, é, quase sempre, definitiva.
Por isso, peça também a pena mais branda. Porque as leis sobre FATD são omissas e as transgressões, genéricas. Existe margem. Use-a.
No fim das contas, a melhor defesa é ter um bom advogado. Mas se você está sozinho, que ao menos não esteja despreparado.
Ah, e lembre-se: a defesa começa antes da folha. Começa na atitude. Na fé. Na coragem de quem sabe que, mesmo contra a força, ainda resta a palavra.
E a palavra, quando bem escrita, pode salvar a carreira e o seu futuro. E, mais do que isso, pode salvar a paz.
Boa semana, bom café e que a justiça seja sua aliada.
Um abraço.